Em “A moça católica que namora“,
pontuei algumas das questões que envolvem o namoro católico – entre essas, a
problemática dos beijos na boca para aqueles que não são casados. Um rápido
panorama do que foi a nossa bela religião nesses 2 milênios pode nos mostrar
com que rigidez e decoro foram travadas as relações entre homens e mulheres
honestos antes do sacramento, mas para alguns este argumento pode não ser
suficiente. Olham para o passado - e conseqüentemente para os exemplos
de muitos dos nossos santos – e determinam que estavam todos sob o jugo de
algum moralismo extremo, algo mais pautado pela época (seja lá o que isto
signifique) que pelos sólidos princípios da moral católica. Nossos santos, de
acordo com tal lógica, viveram e defenderam uma pureza localizada no tempo e no
espaço – e não a pureza de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo Deus, não pode
mudar jamais.
Ora, tenhamos cautela, mas observemos a
que nível da argumentação tal raciocínio nos leva. Se durante todos esses
séculos padres, bispos, papas, leigos e todos os nossos santos interpretaram a
moral católica como proibindo tais intimidades antes do matrimônio – e, no
entanto, afirmamos que atualmente os beijos na boca não têm qualquer problema,
das duas uma: ou a moral católica mudou (o que é absurdo), ou a moral católica
sempre permitiu os beijos e não via qualquer perigo neles, restando aos nossos
santos e papas do passado um papel de “exagerados”.
Nesse sentido, há de se notar o quanto
o “simples” beijo antes do matrimônio foi sempre considerado motivo de
escândalo – numa época em que as moças eram tão protegidas por suas famílias,
que a idéia de que tal coisa poderia ter acontecido com uma filha de fato
levava os pais a tristeza ou mesmo ao desespero. A honra deles – e da moça –
havia sido jogada na lama, e isto era matéria de confissão. Não, não estamos
falando da idade média, mas ainda do início século XX. E ao fazer referência a
este passado, olhamos para os católicos – e não para qualquer seita gnóstica ou
calvinista. Se a preocupação com um “simples beijo” puder realmente ser taxada
de puritanismo (como querem alguns), então teríamos 2 mil anos de gnósticos
atrás de nós, que viveram completamente distantes da visão católica, e só agora
(em tese) encontramos o verdadeiro equilíbrio.
Como esse raciocínio não pode se sustentar,
resta-nos saber o que de fato a moral católica disse sobre o assunto. Nosso
maior perigo é o de achar que esta moral nunca definiu e discorreu sobre tais
coisas, e que por isso poderíamos continuar fazendo o que o mundo “legitimou”,
de modo que seríamos nós os termômetros de nossa castidade. Há um grande
equívoco em se pautar por uma época tão sexualizada como a nossa, especialmente
porque essa época tende a tornar os próprios mandamentos da Lei de Deus como
“exageros”. Entre o que a sociedade liberal permite, e um namoro casto,
poderíamos tirar uma péssima “média”.
G.K. Chesterton costumava dizer que para cair,
todas as posições servem, mas que para ficar em pé, existe apenas um
ângulo. Como vivemos numa época relativista, também ficariam de pé aqueles que
usam muletas – razão pela qual é também a época em que mais pessoas se levantam
para defender uma castidade que lhes permita certas liberdades, e não o
contrário. Sabemos que é perfeitamente casto aos noivos só se beijarem após o
casamento – mas como não se trata apenas de uma época relativista, mas também
uma época medíocre, há que se determinar qual o ponto mínimo da castidade (ou
seja, o ponto em que se pode vivê-la ao mesmo tempo em que se faz o menor
número de renúncias).
Essa mentalidade – de tomar para si sempre o
menor padrão de modéstia, de pureza, ou de devoção - tem relação com a
nossa sociedade decadente, em que Deus aparece apenas como hipótese, como disse
o Papa Bento XVI. Uma vez que perdemos igualmente a noção de méritos para o
Céu, e das penas do purgatório, fazer o melhor não está mais em questão.
Dividirei com vocês alguns dos
ensinamentos contidos nos livros e escritos de teologia moral acerca da
questão, para que mais pessoas possam ter acesso a estas valiosas
palavras, e a partir de uma meditação sincera e honesta, possam igualmente
aprender com elas a viver a castidade da maneira como Nosso Senhor espera de
nós. Aproveitamos para exortar as pessoas – sabendo de nossas dificuldades e do
quanto é difícil ser virtuoso neste mundo caótico – para que incluam nas suas
orações o intuito de fazer o melhor. Este melhor, muitas vezes, pode estar não
numa escolha do que é meramente permitido, mas especialmente no que dará mais
glórias a Deus. A pergunta “Posso beijar meu
namorado na boca?” poderia encontrar a melhor resposta
se tivéssemos no coração aquele intuito de seguir a pureza capaz de fazer
nascer em nós a santidade que levou uma Santa Maria Goretti ao martírio, ou um
São Domingos Sávio a ser o que foi: um amor incondicional à pureza e a
castidade, capaz de preferir a morte a ofender a Deus.
É este amor – e não uma procura
desesperada pela linha que separaria o suposto beijo casto do não-casto – que
nos levará a salvaguarda de nossa castidade. Somos luz do mundo: somos
testemunhas, como batizados, da verdade, do caminho e da vida, que é Jesus
Cristo. E estaria, pois, a própria Pureza fadada a ter como testemunhas pessoas
que procuram viver no limiar do pecado mortal? Ou, ao contrário – e como atesta
o próprio Céu, notadamente reconhecido na figura dos Santos- Jesus Cristo teria
como irrevogável o direito a testemunhas exemplares, uma vez que nos comprou
com Seu Sangue?
Um
beijo é só um beijo?
Antonio Royo Marín, O.P.
II. OS PECADOS INTERNOS DA LUXÚRIA
597. Os
pecados internos de luxúria são três: os pensamentos impuros, os desejos
impuros e o gozo pelos pecados cometidos. O primeiro se refere ao presente; o
segundo, ao futuro, e o terceiro, ao passado.
Falamos que todos eles ao tratar dos
pecados internos em geral e remetemos ao leitor a aquele outro lugar (cf.
n.257-262).
Aqui nos limitamos a recordar os dois
princípios fundamentais que iluminam toda esta questão, e que, bem aplicados,
resolvem toda a ampla casuística que possa apresentar-se na prática. São os
seguintes:
1.0 O deleite desonesto interno
diretamente procurado ou voluntariamente aceito é sempre pecado mortal e não
admite DIMINUIÇÃO de matéria.
Por conseguinte, qualquer pensamento
impuro, qualquer desejo impuro, qualquer gozo pela lembrança de uma ação impura
que se cometeu anteriormente, é de seu pecado mortal quando lhe adverte com
toda clareza e lhe consente ou aceita com plena vontade. Somente cabe o pecado
venial por imperfeição do ato (ou seja, por falta desta plena advertência ou
consentimento), mas não pelo DIMINUIÇÃO de matéria quando foi plenamente
advertida e aceita.
Que classe de pecado se comete e se
recolher ou não as circunstâncias do objeto sobre que recai (v.gr., a malícia
do adultério, incesto, etc.), explicamo-lo já ao falar dos pecados internos em
geral (cf. n.257-262).
2.° Não há nenhuma razão que possa
autorizar jamais a permissão indireta de atos internos de luxúria referentes ao
futuro (desejos impuros) ou ao passado (gozo ou aprovação dos atos impuros
realizados), já que estes são atos próprios da vontade que supõem a aceitação,
ou consentimento ao pecado. Mas com causa gravemente proporcionada (v. gr., o
exercício profissional do médico, sacerdote, estudante de medicina, etc.) é
lícito permitir que sobrevenham pensamentos desordenados, com tal de rechaçar
absolutamente o consentimento voluntário aos mesmos, já que é do todo
impossível evitá-los e não se contrai sua malícia do momento em que não se
buscam diretamente nem se consentem ao produzir-se.
IV. LUXÚRIA EXTERNA NÃO CONSUMADA
Para maior ordem e claridade dividimos
esta matéria em duas partes:
A. Atos impudicos em geral.
B. Aplicações concretas.
A) Atos impudicos em geral
598. I. Noção.
Em
geral se designam com o nome de atos impudicos aqueles que, sem ser
propriamente venéreos em si mesmos, relacionam-se, entretanto, com a luxúria e
influem nela mais ou menos diretamente. Tais são, principalmente, olhada-las,
toques, beijos, abraços, leituras, cantar ou conversações perigosas, etc. A
eles se reduzem também os bailes, espetáculos, fotografias, etc., que sejam
perigosos de dela ou relativamente à pessoa em questão.
599. 2. Malícia.
Consiste
na aptidão natural que têm para excitar movimentos torpes que podem conduzir
até o deleite venéreo completo. Mas, em si mesmos, muitos deles são
indiferentes e podem realizar-se de tal forma que não envolvam pecado algum e
até que sejam inclusive louváveis (v.gr., o beijo carinhoso dado à própria
mãe).
Estes atos, de seu indiferentes,
convertem-se em impudicos e maus por um triplo capítulo :
Iº. PELO FIM COM QUE SE EXECUTAM.
E
neste sentido podem ser:
A. Pecado
mortal, se se buscar e tenta com eles obter diretamente um prazer venéreo,
embora seja muito pequeno e imperfeito.
B. Pecado
venial, se se fizerem unicamente por ligeireza, brincadeira, curiosidade, etc.,
ou inclusive pelo prazer puramente sensível que com eles pode experimentar-se
(v. gr., na boca ao beijar), excluindo, de uma vez, todo afeto ou deleite
propriamente carnal (cf. D 1140) e o perigo próximo de que se produza (coisa
muito difícil na prática, sobre tudo se se prolongam algum tempo).
C. Nenhum
pecado, se o fim for bom e se fazem por necessidade ou verdadeira utilidade; e
isso embora houvesse algum perigo de movimentos desordenados, com tal,
naturalmente, de não consentir neles se se produzirem de fato. Mas quanto mais
perigosos sejam em si mesmos, tanto maior tem que ser a causa que os desculpe;
e assim, v. gr., só os médicos, praticantes, etc., têm razão suficiente para
ver ou tocar, quando é necessário, as partes íntimas do cliente.
2º. PELO INFLUXO NA COMOÇÃO
VENÉREA.
E assim serão:
a) Pecado mortal, quando influem
próxima e notavelmente em dita comoção e se executam sem causa alguma ou de
tudo insuficiente e desproporcionada. As aplicações são variadísimas: olhares,
toques, beijos, baile, espetáculos, fotografias, praias, etc., etc., quando
influírem nessa forma próxima e notável e se executam sem grave causa e sem as
devidas precauções.
b) Pecado venial, quando ficam sem
razão suficiente, mas influem tão somente remota ou levemente (v.gr., alguma
piada um pouco obscena, um beijo rápido na testa ou na bochecha, um espetáculo
um pouco atrevido, mas não imoral, etc.), e não se teve má intenção, nem se
produziu grave escândalo, nem se consentiu em nenhum pensamento ou afeto torpe.
c) Nenhum pecado, quando influem tão
somente remota ou levemente e houve, além disso, alguma razão de verdadeira
utilidade ou conveniência para isso (v.gr, por educação, amizade, afeto
familiar, etc.), excluído sempre o consentimento aos movimentos torpes que
possam surgir.
3º. PELA FRAGILIDADE ESPECIAL DO AGENTE
ou POR RAZÃO DE ESCÂNDALO.
Pode ocorrer, em efeito, que algum
desses atos que de ordinário influem tão somente remota ou levemente na maior
parte da gente, afetem, entretanto, próxima e notavelmente a uma pessoa
extraordinariamente frágil e propensa à sensualidade, em cujo caso deve evitar,
ao menos até que se serene e normalize, aquelas coisas que outras pessoas mais
normais se podem permitir sem pecado. Diga-o mesmo por razão do escândalo que
pode produzir-se (v. gr., vendo um sacerdote em um espetáculo impróprio para
ele, embora não levasse por sua parte nenhuma má intenção ao assistir).
B) Aplicações concretas
Para ilustrar melhor os princípios que
acabamos de expor, vamos aplicá-los a alguns casos concretos e particulares,
advertindo, não obstante, que estas aplicações valem unicamente em termos
gerais e segundo o que está acostumado a ocorrer ordinariamente; mas na prática
terá que ter sempre em conta o conjunto de circunstâncias, principalmente a
intenção ou finalidade do agente, as razões que existam para expor-se a algum
perigo, sua maior ou menor periculosidade em ordem a suas disposições
subjetivas e o escândalo que possivelmente possa dar-se com uma ação acaso
lícita em si mesmo ou para outros.
Feitas estas condições, eis aqui o que
se pode concluir em termos gerais:
600. 1º. Olhares e toques.
a) Será ordinariamente pecado mortal
olhar ou tocar sem causa grave (como a tem o médico, cirurgião, etc.) as partes
desonestas de outras pessoas, sobre tudo se forem de diversos sexo, e até do
mesmo se se tiver inclinação desviada para ele. Diga-o mesmo com relação às
mulheres nos peitos.
b) Pode ser simplesmente venial olhar
ou tocar as próprias partes unicamente por ligeireza, curiosidade, etc.,
excluída toda intenção venérea ou sensual e todo perigo próximo de excitar
nelas movimentos desordenados. Não é pecado algum fazer isso mesmo por
necessidade ou conveniência (v.gr., para curar uma enfermidade, lavar-se,
etc.).
c) Para julgar da importância ou
gravidade dos olhares ou toques às restantes parte do corpo humano próprio ou
alheio, mais que à anatomia terá que atender à intenção do agente, ao influxo
que pode exercer na comoção carnal e às razões que houve para as permitir, de
acordo com os princípios anteriormente expostos. Às vezes será pecado mortal o
que em outras circunstâncias ou intenções seria tão somente venial e
possivelmente nenhum pecado.
d) O dito com relação ao corpo humano,
aplique-se à vista de estátuas, quadros, fotografias, espetáculos, etc., na
medida, grau e proporção com que possam excitar a própria sensualidade.
602. 2.° Beijos e abraços.
a) Constituem pecado mortal quando se
tenta com eles excitar diretamente o deleite venéreo, embora se trate de
parentes e familiares (e com maior razão entre estes, pelo aspecto incestuoso
desses atos).
b) Podem ser mortais, com muita
facilidade, os beijos passionais entre noivos (embora não se tente o prazer
desonesto), sobre tudo se forem na boca e se prolongam algum tempo; pois é
quase impossível que não representem um perigo próximo e notável de movimentos
carnais em si mesmo ou na outra pessoa. Quando menos, constituem uma falta
maior de caridade para com a pessoa amada, pelo grande perigo de pecar a que a
expõe. É incrível que estas coisas possam fazer-se em nome do amor (!). Até tal
ponto os cega a paixão, que não lhes deixa ver que esse ato de paixão sensual,
longe de constituir um ato de verdadeiro e autêntico amor—que consiste em desejar
ou fazer o bem ao ser amado—, constitui, em realidade, um ato de egoísmo
refinadísimo, posto que não vacila em satisfazer a própria sensualidade até a
costa de lhe causar um grande dano moral à pessoa amada. Diga-o mesmo dos
toques, olhares, etc., entre esta classe de pessoas.
c) Um beijo rápido, suave e carinhoso
dado a outra pessoa em testemunho de afeto, com boa intenção, sem escândalo
para ninguém, sem perigo (ou muito remoto) de excitar a própria ou alheia
sensualidade, não pode proibir-se em nome da moral cristã, sobre tudo se houver
alguma causa razoável para isso; v.gr., entre prometidos formais, parentes,
compatriotas (onde haja costume disso), etc.
602. 3º. Conversas e cantos.
a) É pecado mortal iniciar ou manter
uma conversação francamente desonesta ou obscena, que não pode ter outra
finalidade que excitar a sensualidade própria ou alheia ou escandalizar a
outros. O iniciador peca mais gravemente que o resto dos interlocutores. Diga-o
mesmo de um canto gravemente obsceno, ou seja, apto para escandalizar a
qualquer pessoa normal.
b) Sustentar alguma conversação sobre
matérias obscenas ou perigosas (v.gr., sobre os deveres íntimos do matrimônio,
obstetrícia, etc.) sem causa suficiente para isso, mas também sem nenhuma má
intenção, ordinariamente não passará de pecado venial, ao menos se pela maneira
de falar, seriedade dos circunstantes, etc., vê-se claro que não produz
escândalo nenhum nem se corre perigo de excitar a sensualidade própria ou
alheia. Com causa justificada (v.gr., por razão de estudo da medicina ou a
moral) não teria pecado algum.
c) As piadas, historietas mais ou menos
subidas de tom, etc., relatados sem má intenção e sem escândalo dos
circunstantes, ordinariamente não passam tampouco de pecado venial, porque a
risada está acostumada recair, não sobre a coisa obscena em si mesmo, a não ser
sobre o engenho ou graça do caso. Entretanto, são muito inconvenientes (sobre
tudo em presença de pessoas ligeiras e largas de consciência), porque revistam
degenerar facilmente em conversações obscenas, gestos torpes e brincadeiras
soezes das coisas mais sérias e sagradas. Neste último caso, claro está que
seriam pecado mortal.
603. 4.° Leituras.
Com ligeiras variantes, pode aplicar-se
às leituras o que acabamos de dizer nos números anteriores. E assim;
a) É pecado mortal ler um livro
francamente obsceno que excite gravemente a sensualidade do leitor, já seja de
tipo científico, recreativo ou histórico. Com grave causa e as devidas
precauções poderia autorizar-se por razão do ofício (médico, confessor, censor
literário, etc.), sempre que não represente um perigo próximo de consentimento
nos movimentos desordenados que excite, porque, neste caso, seria gravemente
ilícito pelo mesmo direito natural.
b) As novelas amorosas, científicas ou de aventuras, etc., que não
excitem a sensualidade, ou só de maneira remota ou leve, podem ler-se sem
pecado grave até com causa muito ligeira; e com causa proporcionada, inclusive
sem pecado leve. Mas de ordinário devem desaconselhar-se aos jovens, pelo tempo
que perdem nisso com prejuízo de suas obrigações, por lhes transladar a uma
esfera irreal cheia de ilusões e fantasias e por outros muitos inconvenientes
pelo estilo. As novelas obscenas estão de sua gravemente proibidas para todos
pelo mesmo direito natural.Autora do Primeiro Texto: Luciana Lachance
Fonte: lucianalachance.wordpress.com